Com este blog tenho a intenção de
compartilhar algumas experiências e aprendizados ao longo da minha vida.
Pretendo fazer isso, contando partes da minha história de vida, desde a minha
infância.
E falando em infância....vamos
lá!
Nomes e datas serão fictícios.
Qualquer semelhança com parte da sua história , caso faça parte da minha, será mesmo mera coincidência
rsrs. Poucos sabem que nasci em
Moçambique, no município de Chimoio, na cidade de Vilapery. Esse fato aconteceu
há algum tempo.
Meus pais se conheceram nesta
cidade, se casaram e 1 ano depois, nasci! Sou filha única. Fui criada com os
meus pais, porém sob grande influência dos meus avós maternos a quem devo
muito. Meus avós já não estão mais entre nós, porém como os perdi já em idade
madura, continuei por muitos e muitos anos convivendo com eles.
Nas minhas melhores lembranças de
infância, a imagem dos meus avós está sempre presente. Deles guardo ricas
lições, mas o melhor dessas lembranças era ter a certeza de que podia contar sempre
com eles, porém, demorei muito a entender a importância disso.
Ainda em Moçambique, me lembro dos
almoços de domingo na casa dos meus avós. A família toda reunida, uma mesa
farta, como toda a casa portuguesa, com certeza. Ainda me lembro do leitão
assado à pururuca, tomate na boca do bichinho e folhas de alface decorando a
travessa. Ah, e tinha mordomo a caráter,
todo vestido de branco, botões dourados e só aparecia na sala de jantar quando
chamado. O nome dele era "Time". Não, não era time de time de futebol...era
“time” em inglês, ou seja, traduzindo, “tempo” em português. Tinha 14 filhos e
um deles, o mais próximo da minha idade se chamava “xuinga” no dialeto
africano, que em português significa “chiclete”. Esse era mesmo o nome dele.
Mas bom mesmo era o natal. A mesa muito
bem decorada, pratos e frutas natalinas, festa a noite toda, as brincadeiras
com os meus primos, a abertura dos presentes, as discussões dos adultos... estas
sempre aconteciam após uns copos de vinho, e o teor destas nos últimos anos
eram sempre sobre a independência de Moçambique, a chegada das tropas
portuguesas, e enfim, após muitas briga, todos acabavam se entendendo no final. Parando
agora para me lembrar desses acontecimentos, observo que a oportunidade de
reviver esses momentos mesmo que apenas na lembrança é simplesmente maravilhoso.
E, o que era discutido como
possibilidade, tornou-se realidade e a guerra civil aconteceu. Em 1975 meus
pais e eu tivemos que sair de Moçambique, num avião Secna, de madrugada,
escondidos das tropas da Frelimo (Frente de libertação de Moçambique), ou, caso
contrário, poderíamos ser presos. Os nossos corações estavam apertados, pelo
medo do desconhecido e pelo medo do que pudesse acontecer à nossa família, pois
tanto meus avós como tios recusaram-se a sair de Moçambique e virar as costas a
tudo o que haviam construído em anos e anos de muito trabalho.
Já meus pais abriram mão de todos
os bens materiais, e decidiram sair do país. Foi a escolha mais acertada. Meus
avós foram presos meses depois e permaneceram por alguns meses nessa situação
até que alguns membros da embaixada de Portugal, numa missão muito bem
articulada, auxiliaram os meus avós a fugirem do país num porão de navio, que
estava saindo da cidade da Beira com destino a Lisboa. Enquanto isso, meus pais
e eu já estávamos morando no Brasil após termos conhecido a Costa Rica, país
onde poderíamos estar morando, não fosse a decisão do meu pai de virmos morar
no Brasil onde por dominar o idioma, teria mais condições de se inserir no
mercado de trabalho.
Já no
Brasil, inicialmente ficamos morando por três meses em Cambuquira, cidade que
faz parte do circuito das águas, em Minas Gerais. Tenho lembranças muito boas
de momentos vividos nesta cidade apesar do curto período que lá permanecemos.
Foi também em Cambuquira que dediquei muito do meu tempo à minha coleção de
selos, já que não estava estudando, pois chegamos ao Brasil no final do mês de
agosto período em que não valeria a pena me matricularem numa escola . O melhor
foi aguardar o início do ano letivo. E eu adorei! Até então ainda não gostava
muito de estudar. Preferia estar envolvida com os meus selos. Dentre muitas
lembranças que tenho, uma delas é interessante, pela pouca importância que tem,
mas que não esqueço: quando alguém tomava banho, na casa inteira podia-se sentir
o aroma do sabonete Phebo. Sempre que sinto o cheiro deste sabonete, minha
mente viaja no tempo até Cambuquira. Passados os 3 meses, fomos morar no Rio de
Janeiro mas enquanto não encontrávamos um apartamento para alugar, ficamos
hospedados 3 meses num hotel e foi neste hotel que conheci uma pessoa muito
especial, o Sr. Eugênio.
Para explicar como o Sr. Eugênio entrou na nossa
vida, antes preciso esclarecer que o hotel onde estávamos hospedados estava
acomodando também mais uma infinidade de portugueses que haviam chegado de
Moçambique nas mesmas condições que nós e o Sr.Eugênio trabalhava para o
serviço secreto( SNI) e estava hospedado no hotel para se infiltrar entre nós,
pois o receio do governo brasileiro era de que muitos destes portugueses que
estivessem vindo de Moçambique, viessem com ideias revolucionárias e pudessem
assim gerar problemas para o país.
Numa tarde bem quente estava eu sentada num sofá no
grande saguão do hotel, assistindo TV quando o Sr. Eugênio se sentou ao meu
lado e começou a puxar conversa. Eu, ainda muito criança gostei da atenção que
ele estava me dando e em menos de 15 minutos estava contando a ele com todos os
detalhes tudo o que havia acontecido comigo e com os meus pais nos últimos
meses. Então, quando já estava empolgada contando a nossa história, meus pais
chegaram e apresentei-os ao Sr. Eugênio. A partir daí passamos a conversar com
ele todos os dias e como sempre gostei muito de ler, o Sr. Eugênio começou a me
levar para passear e ao passar numa banca de revistas comprava todas as
revistinhas de gibi que eu quisesse. Por vezes comprava também doces numa
confeitaria próxima, mas o que eu mais gostava era da atenção que ele me dava.
Certo dia veio se despedir de mim e dos meus pais e disse que ia viajar, e que
ficaria ausente por algumas semanas, mas que ao retornar entraria em contato
conosco. Fiquei triste e qual não foi a minha surpresa quando um dos atendentes
do hotel me entrega um envelope grande endereçado a mim. A carta havia sido
enviada pelo Sr. Eugênio e nela além de um lindo cartão, tinha também muitos
selos de vários países. Esta foi a primeira de muitas cartas que passei a
receber e sempre com cartões e selos. Até hoje tenho todas estas
correspondências e selos guardados.
Como
disse anteriormente, o Sr. Eugênio me deixou lembranças muito boas, não pelos
presentes, mas por se fazer tão presente na vida de uma menina que com tão
pouca idade já havia passado por situações traumáticas e muitas perdas . Ele
entrou na nossa vida, na minha e na vida dos meus pais, para preencher um grande
vazio. Soubemos por ele mesmo depois, que ele era do SNI e que conosco já não
conseguia exercer a sua função, pois nos tinha como amigos e percebia que não
oferecíamos risco algum para a segurança nacional. Passaram-se os 3 meses e
alugamos um apto em Copacabana. Continuamos mantendo contato com o Sr. Eugênio,
por cartas ou em visitas que ele nos fazia, e eram sempre visitas surpresa.
Enfim,
chegou o dia de fazer a matrícula no colégio público e pasmem, o colégio
público ficava de frente para a av.
Atlântica e chamava-se Escola Municipal Cicero Pena. (foto ao lado)
Então,
após a matrícula feita, fomos eu e minha mãe comprar o material escolar numa
papelaria próxima à praça dos Paraibas, na Av. Barata Ribeiro. Nesse dia,
conheci mais duas pessoas que se tornaram personagens muito importantes na
minha história. Eles, O Sr. Lopes e a D. Célia, eram os donos da papelaria e
sei lá porque razão, talvez porque não tivessem filhos embora fossem casados há
mais de 30 anos, se apaixonaram por mim e naquele mesmo dia, souberam pela
minha mãe que ela estava trabalhando e que não havia encontrado alguém para
ficar comigo em casa, pois meu pai ficava o dia todo ausente procurando
emprego. Foi o suficiente para dizerem que eu poderia ficar com eles na loja
todos os dias até que minhas aulas começassem e que depois tão logo saísse das
aulas, poderia também ficar à tarde na loja. E assim foi. Todos os dias minha
mãe me deixava lá e ao final do dia ia me apanhar. Às vezes penso que o Sr.
Eugênio, Sr. Lopes e D. Célia estavam preenchendo o vazio no meu coração,
preenchido antes pelos meus avós. Eu estava morrendo de saudade deles e por
mais que soubesse do que eles estavam passando, não queria entender porque
estavam tão longe de mim. Eles simplesmente não podiam fazer isso comigo.
Certo
dia estava eu já atendendo na papelaria, quando vim a conhecer o Kojak, um senhor com aproximadamente uns 45 anos.
Bom, não me lembro mais do nome dele, porque eu só o chamava assim, apesar de
juiz e pessoa bem conhecida no Rio de Janeiro. Intitulei-o assim porque ele era
totalmente careca e se vestia de terno todos os dias e eu não perdia um único
dia da série que passava na Globo, por isso, conhecia muito bem as
características do Kojak.
Por
chamá-lo assim nos primeiros minutos em que o atendi, ele simpatizou comigo e
sempre que podia, passava na livraria onde já era velho conhecido do Sr. Lopes
e D. Célia e pedia que o deixassem me levar até o Bob´s para almoçar. diga-se o
primeiro Bob´s da tão atual conhecida rede. Neste período o Bob´s não servia
sanduiches. Servia lanches preparados em chapas quentes, com bife, batatas
fritas e ovos fritos. O Kojak se divertia muito comigo, dava boas gargalhadas e
hoje, me lembrando desses momentos , fico imaginando se ele era feliz, se tinha
uma família, ou se aqueles momentos na papelaria conversando conosco eram os
únicos momentos felizes dele, pois alí, não haja dúvida, ele se sentia muito
bem. E assim, estes 4 personagens fizeram parte da minha vida e tenho por eles
imenso respeito e gratidão.
E
chegou o 1º dia de aula!! Deu um friozinho na barriga! Já há algum tempo que eu
vinha prevendo que teria problemas na escola por conta do meu sotaque de
portuguesa. Não havia um único dia que não saísse da escola aborrecida porque
gozavam com a minha cara, me imitavam, ou porque me fiaziam perguntas idiotas
do tipo “Mas na África não tem só negros?”, ou “Você morava numa casa como a do
Tarzan?” "Você está mentindo, você não é negra!" e daí pra pior. Tive
muita paciência! Até que um dia uma garota muito mal educada me provocou, me
xingou e envolveu a honra da minha mãe! Ah, não tive dúvida! Dei na cara dela!
Foi um santo remédio, pra ela e pra todos os demais! Viram que a portuguesa não
leva desaforo pra casa e passaram a me respeitar! Nunca fui de fazer queixas à
minha mãe, apesar de filha única. Minha mãe nunca precisou ir à escola resolver
problemas como este, até porque, tirando esse fato, nunca mais precisei tomar
uma atitude como esta. Depois do ocorrido, me determinei a perder todo o
sotaque de portuguesa para que não fosse mais alvo de gozações. Hoje, claro que
não me importaria, apesar de não gostar muito do sotaque português. Gosto mesmo
é do português com sotaque brasileiro, apesar dos erros gritantes que por vezes
escuto, mas, não faço qualquer gozação, exceto quando o nosso presidente Lula
comete esses erros. Aí ,não dá pra resistir!! E ainda sobre o meu sotaque,
estava tão determinada a perdê-lo, que em menos de dois anos quando fomos morar
em Brasilia, todos pensavam que eu fosse carioca. Como em tudo não há só
aspectos negativos, tive também momentos muito bons na escola Cicero Pena.
Sempre que chegada mais cedo, conseguia sentar na cadeira ao lado da janela que
dava para a Av. Atlântica, ou seja, para a praia. Quando a aula estava
monótona, virava a minha cabeça para a esquerda e sonhava de olhos abertos. Nasci
numa cidade do interior de Moçambique, e a praia mais próxima ficava a mais de
uma hora de viagem, porém como em qualquer país de pequenas dimensões, uma
viagem de carro de mais de 100km é uma grande distância e por isso mesmo, pouco
ia à praia e então era fantástico ter o privilégio de assistir às aulas e ao
mesmo tempo assistir ao movimento das pessoas na praia, as brincadeiras, os
vendedores ambulantes gritando “Olha o mate Leão, bem geladinho!”, as crianças
em meio a construções de castelos e o principal, o som maravilhoso do mar! Ah,
se naquela época já existisse o conceito do cartão Mastercard, eu diria
“Assistir a aulas enfadonhas ouvindo o quebrar das ondas em Copacabana....isso
não tem preço! Finalmente minha mãe conseguiu um emprego de secretária
executiva na Rádio Nacional na Av. Rio Branco, bem no centro do Rio de Janeiro.
Por vezes cheguei a ir com ela para o trabalho e como era muito quietinha e
educada, levava minhas revistinhas e meus livros de histórias infantis e ficava
lendo num dos sofás da sala de espera. Ninguém me percebia até que puxasse
conversa comigo. Depois, já ia sentando e lá ficava conversando comigo e assim
o tempo passava mais rápido, até que certo dia, conheci o Sr. David, que depois
vim a saber, era um dos diretores da rádio Nacional. E eu lá sabia que peso
isso tinha, só sabia que ele era muito legal comigo, me tratava muito bem
conversava muito comigo, me levava para almoçar e me empanturrava de comer
morangos com chantilly na sobremesa. Eram momentos muito agradáveis, num
período da minha vida em que as coisas não estavam muito agradáveis em casa,
pois desde que havíamos saído de Moçambique, meus pais andavam pensando em se
separar e era só uma questão de tempo. No horário das refeições o clima era
pesado, as conversas não fluíam e percebia algumas respostas tortas de um e de
outro. Quando a minha mãe se empregou pensei que as coisas pudessem melhorar,
mas hoje percebo que só piorou, porque meu pai ainda estava desempregado e hoje,
contando esta história entendo que tanto para o meu pai quanto para a minha mãe
deva ter sido muito duro se adaptarem à vida que estavam levando porque tiveram
que se submeter a situações nunca antes sequer previstas em sonho, ou melhor,
em pesadelo, tal a impossibilidade de acontecer, considerando as boas condições
financeiras que tínhamos em Moçambique .Meu pai era representante da
Caterpillar e comercializava máquinas agrícolas. Minha mãe trabalhava com o meu
avô na joalheria, a maior e mais completa das redondezas. Um ano depois desta
realidade, estava a minha mãe vendendo livros , tendo se empregado depois como
secretária executiva e meu pai, após um ano desempregado, estava empregado como vendedor de óculos escuros e armações.
Meus
pais, como já esperado, se separaram e tempos depois minha mãe e o Sr. David
começaram a namorar. Até hoje comento com eles que a minha participação foi
fundamental para que eles estejam até hoje juntos, pois não fosse pelos meus
inúmeros almoços com o Sr. David, o clima de aproximação nunca teria
acontecido. Bom, prefiro acreditar que fui importante nesse processo.
Quando
decidiram que deveriam morar juntos, fiquei morando temporariamente com os meus
avós, que a esta altura, já estavam no Brasil, morando na Rua Aquidabã, num
prédio de poucos andares, de frente para o orfanato do Martinho da Vila. Meus
avós adquiriram uma loja de discos, aqueles antigos LP`s e passavam o dia todo
na loja, a um quarteirão do prédio onde moravam, então, como me matricularam num
colégio público próximo, eu ficava no apto cuidando dos afazeres domésticos e
meus avós iam trabalhar. Próximo do horário do almoço, me arrumava pra ir pra
aula, aprontava a marmita dos meus avós, passava na loja, deixava o almoço e ia
estudar. Ao final da aula, passava na loja, esperava dar 18:30 e retornava com
eles pra casa. Enquanto isso, ficava trocando os discos, ouvindo Elton John, Os
Jackons, Tina Turner, Elvis Presley, The Carpenters....e por aí vai. Aumentava
o som o mais que podia, meus avós mandavam baixar, e quando menos esperavam,
aumentava novamente o som. Era bom demais!
Um fato triste aconteceu enquanto estive
morando com os meus avós e este sim, foi mesmo um fato que me marcou muito .
Meu pai foi um dia me visitar e pediu que conversássemos em particular no
corredor de acesso aos aptos daquele andar. Esse corredor dava para a Rua
Aquidabã e enquanto eu o escutava, olhava distraidamente para o movimento dos
carros, as pessoas indo e vindo...talvez eu já estivesse sentindo o que ele ia
me dizer. Estava sentindo um grande aperto no peito e uma vontade enorme de não
estar ali passando por aquilo. Então, meu pai pediu que eu o olhasse nos olhos
e me perguntou se eu já havia feito a minha escolha, se eu iria ficar com ele
ou se iria ficar com a minha mãe. Queria não ter passado por isso. Queria ter
podido me dividir ao meio para atender aos dois. Queria não tê-lo feito sofrer
tanto, quando respondi que ficaria com a minha mãe. Ele me abraçou, não disse
nada. Se despediu de mim e fiquei ali parada, olhando-o se afastar. Ainda o vi
sair do prédio e sumir ao dobrar a esquina. Depois disso, durante um bom tempo,
o relacionamento com o meu pai não foi o mesmo.
Ele
ainda brigou na justiça pela minha guarda, mas perante a justiça mais uma vez
precisei responder ao juiz sobre a minha decisão. Ainda visitei o meu pai
algumas vezes, antes de irmos morar em Brasilia, pois o Sr. David havia sido
transferido pra lá. Admito que naquele momento, morar longe do Rio de Janeiro
estava sendo muito bom. Por outro lado, exceto por este acontecimento, o
período em que morei com os meus avós foi um dos momentos mais felizes da minha
vida, e creio que tenha sido em razão do amor que recebia deles e da
simplicidade em que viviamos. Nas coisas mais simples encontramos os melhores
momentos.
Mais
uma mudança em minha vida. Mais uma cidade até então, desconhecida. Mais um
colégio, mais um friozinho na barriga...não...desta vez foram vários friozinhos
na barriga. Em Moçambique estudei em colégio de freiras , aprendi a tocar
piano, fazia balé, e meus amigos eram filhos de grandes empresários e até os
filhos do presidente do país estudavam no mesmo colégio. No Rio de Janeiro
estudei em dois colégios públicos, porém ainda criança, me adaptei rápido não
fosse pelos probleminhas já expostos. Em Brasilia fui novamente matriculada num
colégio católico, tido como um dos melhores na cidade, e mais uma vez estudando
ao lado de colegas, filhos de embaixadores, diplomatas e por aí vai.
Os
primeiros dias de aula foram complicados. Já estava me acostumando ao fato de
viver na simplicidade quando de repente me vejo num ambiente de adolescentes de
nariz empinado, que só falavam no que tinham e deixavam de ter. Mas algo de bom
aconteceu para atenuar esse desconforto. Apareceu a minha salvação. A salvação
tem nome: Ivana, uma garota muito sorridente, dois furinhos ao sorrir, loira de
olhos azuis, um sotaque fortissimo de cearense, puxando assunto comigo no 1º
dia de aula, exatamente quando estavam todos reunidos para assistir à
apresentação das normas da escola.
Logo
depois aparece um rapaz mais alto que ela, moreno, olhos escuros, o mesmo sorriso,
sem furinhos e com o mesmo sotaque fortissimo de cearense. Era o Elson! E,
quase que imediatamente, soube que eram irmãos. Ufa!!!E mais feliz fiquei
quando soube que moravam na mesma quadra que nós morávamos, ou seja, voltavamos
todos os dias a pé, juntos.
Quando
não estava na escola ou no nosso apto, estava no apto da Ivana e do Elson.
Ficavamos batendo papo, contando nossas histórias, ouvindo Fagner, Peninha e
outros. Depois fomos aumentando o nosso círculo de amizades. .Foram 4 anos
maravilhosos dos quais guardo fortes e boas lembranças. Era só estudo e
curtição. A patinação era quase uma obrigação nos finais de semana, fora todos
os aniversários que aconteciam. Raro o final de semana que não tinha mais de
dois aniversários pra ir. Alguns finais de semana eram passados na nossa
fazenda, que ficava relativamente distante de Brasilia, e como não gosto de
monotonia, gostava deste passeio quando chovia, porque passávamos mais tempo
nos atoleiros tentando tirar o nosso carro e o dos outros, do que propriamente
dito na fazenda. Por diversas vezes levei amigos meus, o que tornava tudo muito
mais animado, tanto na lama, quanto nos banhos que tomávamos nos córregos de
água muito gelada e límpida; Quase dava pra tomá-la, não fosse pelo gado do
vizinho que por vezes, atravessava-os.
Na
turma de amigos de Brasilia, alguns tornaram-se inesquecíveis: Cláudia Maria,
Cláudia Goulart, Flávio Biro Biro, Marcelo Cardoso, Renata Sanchez, Maristela
Faber, Cibele, e muitos mais! Claro que Ivana e Elson estão nesse grupo seleto.
Além dos meus amigos de escola ,também guardo com carinho a lembrança de
pessoas que de tão forte amizade, tornaram-se parte integrante da minha família,
o Sr. José e Candida Barrigana .Portugueses, os conhecemos no Rio de Janeiro,
na mesma situação em que nos encontrávamos e talvez tenha sido esse o motivo
maior do afeto. Até hoje não sei se foram eles que nos "perseguiram"
até Brasilia, ou se o contrário, o caso é que, Brasilia sem eles não teria a
mesma importância pra nós.
Como
é bom relembrar. Cada uma destas pessoas fez parte da minha formação como
pessoa. Até hoje mantenho contato com grande parte delas, em parte graças à
internet.
Algumas
situações, hoje são cômicas, como gravar as músicas que estavam no auge
.Trancava o quarto (para ninguém atrapalhar a gravação), ligava o rádio,
aguardava a música tocar, ligava o toca-fitas, apertava as duas teclas (play e
rec) e....gravava. Você está rindo? Eu achava o máximo!! Eram as ferramentas
disponibilizadas. Tinha diversas fitas K7 gravadas por mim, e me orgulhava
disso.
Mas
interessante mesmo foi quando completei 15 anos e pedi uma festa no apto. Nada
de festa de 15 anos com valsa e tudo o mais. Nunca gostei disso .Queria mesmo
era uma festa ao som de discoteca (era assim que se falava), com luzes, sem
móvel nenhum na sala e só as imensas caixas e mesa de som e o operador de som
(não era Dj), era um outro nome que não me lembro mais. Sei que foram mais de
120 pessoas e no dia seguinte minha mãe quase teve um infarto. O piso da sala,
todo em taco, estava furado pelos saltos agulha .Também houve a visita da
policia, porque os vizinhos reclamaram do barulho e da baderna que os meus
amigos fizeram nos elevadores. Bom, durante a semana, a festa foi o assunto
mais comentado na escola.
Certo
dia, minha mãe foi me apanhar na escola com um mapa na mão. Me mostrou o mapa,
me indicou uma cidade chamada Belém e perguntou: sabes onde fica esta cidade?
Sempre gostei de geografia, mas sinceramente, nunca havia me interessado pelo
Pará. Sabia apenas que era mais um estado e só.
Respondi que não sabia nada
sobre essa cidade exceto que era a capital do Pará.
Então
minha mãe sorriu, e disse: Pois procura saber mais, porque é pra lá que vamos
morar.
E
foi assim, com muitos amigos e fortes laços de amizade que me despedi de
Brasilia, no mesmo ano em que a Ivana e o Elson também se mudaram para
Fortaleza.
E, aqui estou eu, até
hoje, no Pará, terra que me recebeu de braços abertos. Sou imensamente grata a
este estado maravilhoso, pois aqui vivi as melhores e mais fortes experiências da minha vida. Aqui conheci também muitas,
inúmeras pessoas que amo muito e foi no Pará que nasceram as pessoas que mais amo, meus
filhos, Roberto Daniel, Jordana Lopes e Rebeca Lopes!
E agradeço a Deus,
acima de tudo, que me fez forte, pra chegar até aqui!
Sandra Lopes