quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Amor - O Dom Supremo

Nos últimos anos tenho apresentado certa resistência aos livros do Paulo Coelho, e a tudo o que envolve o nome dele, por motivos pessoais, porém, na semana passada, um livro veio parar em minhas mãos e nunca resisto, quando percebo que algo divino envolve a situação.
Estava indo em direção a um Shopping, para visitar um amigo meu que tem lá uma loja e ia envolvida em pensamentos não muito bons. Vinha nos últimos dias passando por algumas decepções de ordem afetiva, envolvendo pessoas de passado distante e uma situação bem atual. Situações distintas, porém comportamentos que me decepcionaram e me levaram a reflexões sobre o amor e tudo o que envolve esse sentimento. Não o amor passional, carnal, mas o amor universal, aquele amor que devemos ter pelas pessoas próximas, pelo menos um mínimo de respeito, consideração, compaixão, empatia, enfim, ...me envolvi de tal modo nestes pensamentos que quando percebi, estava com lágrimas nos olhos, triste, abatida, ao me dar conta de que as pessoas estão perdendo a noção da razão pela qual estão vivendo neste mundo. Esqueceram a que vieram. Perderam o sentido, o real motivo de estarem aqui. Se deixam envolver por tudo o que é apaixonante no mundo e se esqueceram que estas paixões geram um vazio enorme. Os momentos mais prazerosos e felizes dos quais nos lembramos, são naturalmente os mais simples, que não têm relação nenhuma com as loucuras que o mundo nos oferece e que nos levam ao desequilíbrio emocional e espiritual.
Pois bem. Cheguei ao shopping e antes de ir falar com o meu amigo, passei numa livraria para comprar uns livros de Gestão de Pessoas e um vendedor muito atencioso, o Sr. Jorge, me atendeu, perguntou sobre o que eu buscava, me mostrou os lançamentos, mas por alguma razão, me disse:
"Sei que não tem relação com o que a Sra. procura mas tenho um livro maravilhoso que gostaria de lhe mostrar. Posso?" O vendedor estava sendo tão atencioso que minha resposta só podia ser "sim".
E lá veio o Sr. Jorge com o livro na mão. " Olhe é este o livro, "O Dom Supremo", livro fininho, rápido de ler, parece não ter nada de especial, mas é um livro maravilhoso, de grande conteúdo, porque fala do amor." Opa! Opa! Meu alerta ligou na hora! Estava acabando de fazer reflexões sobre o tema, e alguém me apresenta do nada, um livro com conteúdo sobre o tema. Olhei o autor Henry Drummond, não conhecia. Olhei o tradutor, Paulo Coelho. Torci a boca. O Sr. Jorge percebeu. Perguntou: " Não gosta dele?" Respondi: "Atualmente não. Já gostei." Mas o vendedor foi firme ao me convencer. " Olhe, esqueça o tradutor. O autor é fantástico. Ele estava inspirado quando fez esse sermão e escreveu o livro. Leve. A Sra. não vai se arrepender."

Enfim, comprei e não me arrependi. Recomendo o livro para aqueles que desejam saber o que é o amor, em poucas palavras, de maneira simples, objetiva e real.  Encontrei as respostas para as minhas reflexões. A carapuça me serviu muito bem. Não tenho que questionar nada. Meu papel é amar, mais e mais, inclusive àqueles que me machucaram e que não souberam me amar. Também preciso sempre me lembrar a que vim e porque estou aqui neste mundo. Não vim a passeio. Não é fácil, ninguém disse que seria. Mas com amor tudo é muito mais bonito e nobre.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Fuga de Moçambique


Com este blog tenho a intenção de compartilhar algumas experiências e aprendizados ao longo da minha vida. Pretendo fazer isso, contando partes da minha história de vida, desde a minha infância.

E falando em infância....vamos lá!
Nomes e datas serão fictícios. Qualquer semelhança com parte da sua história , caso faça parte da minha, será mesmo mera coincidência rsrs. Poucos sabem que nasci em Moçambique, no município de Chimoio, na cidade de Vilapery. Esse fato aconteceu há algum tempo.
Meus pais se conheceram nesta cidade, se casaram e 1 ano depois, nasci! Sou filha única. Fui criada com os meus pais, porém sob grande influência dos meus avós maternos a quem devo muito. Meus avós já não estão mais entre nós, porém como os perdi já em idade madura, continuei por muitos e muitos anos convivendo com eles.
Nas minhas melhores lembranças de infância, a imagem dos meus avós está sempre presente. Deles guardo ricas lições, mas o melhor dessas lembranças era ter a certeza de que podia contar sempre com eles, porém, demorei muito a entender a importância disso.

Ainda em Moçambique, me lembro dos almoços de domingo na casa dos meus avós. A família toda reunida, uma mesa farta, como toda a casa portuguesa, com certeza. Ainda me lembro do leitão assado à pururuca, tomate na boca do bichinho e folhas de alface decorando a travessa. Ah, e  tinha mordomo a caráter, todo vestido de branco, botões dourados e só aparecia na sala de jantar quando chamado. O nome dele era "Time". Não, não era time de time de futebol...era “time” em inglês, ou seja, traduzindo, “tempo” em português. Tinha 14 filhos e um deles, o mais próximo da minha idade se chamava “xuinga” no dialeto africano, que em português significa “chiclete”. Esse era mesmo o nome dele. Mas bom mesmo era o natal.  A mesa muito bem decorada, pratos e frutas natalinas, festa a noite toda, as brincadeiras com os meus primos, a abertura dos presentes, as discussões dos adultos... estas sempre aconteciam após uns copos de vinho, e o teor destas nos últimos anos eram sempre sobre a independência de Moçambique, a chegada das tropas portuguesas, e enfim, após muitas briga,  todos acabavam se entendendo no final. Parando agora para me lembrar desses acontecimentos, observo que a oportunidade de reviver esses momentos mesmo que apenas na lembrança é simplesmente maravilhoso.
E, o que era discutido como possibilidade, tornou-se realidade e a guerra civil aconteceu. Em 1975 meus pais e eu tivemos que sair de Moçambique, num avião Secna, de madrugada, escondidos das tropas da Frelimo (Frente de libertação de Moçambique), ou, caso contrário, poderíamos ser presos. Os nossos corações estavam apertados, pelo medo do desconhecido e pelo medo do que pudesse acontecer à nossa família, pois tanto meus avós como tios recusaram-se a sair de Moçambique e virar as costas a tudo o que haviam construído em anos e anos de muito trabalho.
Já meus pais abriram mão de todos os bens materiais, e decidiram sair do país. Foi a escolha mais acertada. Meus avós foram presos meses depois e permaneceram por alguns meses nessa situação até que alguns membros da embaixada de Portugal, numa missão muito bem articulada, auxiliaram os meus avós a fugirem do país num porão de navio, que estava saindo da cidade da Beira com destino a Lisboa. Enquanto isso, meus pais e eu já estávamos morando no Brasil após termos conhecido a Costa Rica, país onde poderíamos estar morando, não fosse a decisão do meu pai de virmos morar no Brasil onde por dominar o idioma, teria mais condições de se inserir no mercado de trabalho.

Já no Brasil, inicialmente ficamos morando por três meses em Cambuquira, cidade que faz parte do circuito das águas, em Minas Gerais. Tenho lembranças muito boas de momentos vividos nesta cidade apesar do curto período que lá permanecemos. Foi também em Cambuquira que dediquei muito do meu tempo à minha coleção de selos, já que não estava estudando, pois chegamos ao Brasil no final do mês de agosto período em que não valeria a pena me matricularem numa escola . O melhor foi aguardar o início do ano letivo. E eu adorei! Até então ainda não gostava muito de estudar. Preferia estar envolvida com os meus selos. Dentre muitas lembranças que tenho, uma delas é interessante, pela pouca importância que tem, mas que não esqueço: quando alguém tomava banho, na casa inteira podia-se sentir o aroma do sabonete Phebo. Sempre que sinto o cheiro deste sabonete, minha mente viaja no tempo até Cambuquira. Passados os 3 meses, fomos morar no Rio de Janeiro mas enquanto não encontrávamos um apartamento para alugar, ficamos hospedados 3 meses num hotel e foi neste hotel que conheci uma pessoa muito especial, o Sr. Eugênio.
Para explicar como o Sr. Eugênio entrou na nossa vida, antes preciso esclarecer que o hotel onde estávamos hospedados estava acomodando também mais uma infinidade de portugueses que haviam chegado de Moçambique nas mesmas condições que nós e o Sr.Eugênio trabalhava para o serviço secreto( SNI) e estava hospedado no hotel para se infiltrar entre nós, pois o receio do governo brasileiro era de que muitos destes portugueses que estivessem vindo de Moçambique, viessem com ideias revolucionárias e pudessem assim gerar problemas para o país.
Numa tarde bem quente estava eu sentada num sofá no grande saguão do hotel, assistindo TV quando o Sr. Eugênio se sentou ao meu lado e começou a puxar conversa. Eu, ainda muito criança gostei da atenção que ele estava me dando e em menos de 15 minutos estava contando a ele com todos os detalhes tudo o que havia acontecido comigo e com os meus pais nos últimos meses. Então, quando já estava empolgada contando a nossa história, meus pais chegaram e apresentei-os ao Sr. Eugênio. A partir daí passamos a conversar com ele todos os dias e como sempre gostei muito de ler, o Sr. Eugênio começou a me levar para passear e ao passar numa banca de revistas comprava todas as revistinhas de gibi que eu quisesse. Por vezes comprava também doces numa confeitaria próxima, mas o que eu mais gostava era da atenção que ele me dava. Certo dia veio se despedir de mim e dos meus pais e disse que ia viajar, e que ficaria ausente por algumas semanas, mas que ao retornar entraria em contato conosco. Fiquei triste e qual não foi a minha surpresa quando um dos atendentes do hotel me entrega um envelope grande endereçado a mim. A carta havia sido enviada pelo Sr. Eugênio e nela além de um lindo cartão, tinha também muitos selos de vários países. Esta foi a primeira de muitas cartas que passei a receber e sempre com cartões e selos. Até hoje tenho todas estas correspondências e selos guardados.

Como disse anteriormente, o Sr. Eugênio me deixou lembranças muito boas, não pelos presentes, mas por se fazer tão presente na vida de uma menina que com tão pouca idade já havia passado por situações traumáticas e muitas perdas . Ele entrou na nossa vida, na minha e na vida dos meus pais, para preencher um grande vazio. Soubemos por ele mesmo depois, que ele era do SNI e que conosco já não conseguia exercer a sua função, pois nos tinha como amigos e percebia que não oferecíamos risco algum para a segurança nacional. Passaram-se os 3 meses e alugamos um apto em Copacabana. Continuamos mantendo contato com o Sr. Eugênio, por cartas ou em visitas que ele nos fazia, e eram sempre visitas surpresa.

Enfim, chegou o dia de fazer a matrícula no colégio público e pasmem, o colégio público  ficava de frente para a av. Atlântica e chamava-se Escola Municipal Cicero Pena. (foto ao lado)

Então, após a matrícula feita, fomos eu e minha mãe comprar o material escolar numa papelaria próxima à praça dos Paraibas, na Av. Barata Ribeiro. Nesse dia, conheci mais duas pessoas que se tornaram personagens muito importantes na minha história. Eles, O Sr. Lopes e a D. Célia, eram os donos da papelaria e sei lá porque razão, talvez porque não tivessem filhos embora fossem casados há mais de 30 anos, se apaixonaram por mim e naquele mesmo dia, souberam pela minha mãe que ela estava trabalhando e que não havia encontrado alguém para ficar comigo em casa, pois meu pai ficava o dia todo ausente procurando emprego. Foi o suficiente para dizerem que eu poderia ficar com eles na loja todos os dias até que minhas aulas começassem e que depois tão logo saísse das aulas, poderia também ficar à tarde na loja. E assim foi. Todos os dias minha mãe me deixava lá e ao final do dia ia me apanhar. Às vezes penso que o Sr. Eugênio, Sr. Lopes e D. Célia estavam preenchendo o vazio no meu coração, preenchido antes pelos meus avós. Eu estava morrendo de saudade deles e por mais que soubesse do que eles estavam passando, não queria entender porque estavam tão longe de mim. Eles simplesmente não podiam fazer isso comigo.

Certo dia estava eu já atendendo na papelaria, quando vim a conhecer o Kojak,  um senhor com aproximadamente uns 45 anos. Bom, não me lembro mais do nome dele, porque eu só o chamava assim, apesar de juiz e pessoa bem conhecida no Rio de Janeiro. Intitulei-o assim porque ele era totalmente careca e se vestia de terno todos os dias e eu não perdia um único dia da série que passava na Globo, por isso, conhecia muito bem as características do Kojak.

Por chamá-lo assim nos primeiros minutos em que o atendi, ele simpatizou comigo e sempre que podia, passava na livraria onde já era velho conhecido do Sr. Lopes e D. Célia e pedia que o deixassem me levar até o Bob´s para almoçar. diga-se o primeiro Bob´s da tão atual conhecida rede. Neste período o Bob´s não servia sanduiches. Servia lanches preparados em chapas quentes, com bife, batatas fritas e ovos fritos. O Kojak se divertia muito comigo, dava boas gargalhadas e hoje, me lembrando desses momentos , fico imaginando se ele era feliz, se tinha uma família, ou se aqueles momentos na papelaria conversando conosco eram os únicos momentos felizes dele, pois alí, não haja dúvida, ele se sentia muito bem. E assim, estes 4 personagens fizeram parte da minha vida e tenho por eles imenso respeito e gratidão.

E chegou o 1º dia de aula!! Deu um friozinho na barriga! Já há algum tempo que eu vinha prevendo que teria problemas na escola por conta do meu sotaque de portuguesa. Não havia um único dia que não saísse da escola aborrecida porque gozavam com a minha cara, me imitavam, ou porque me fiaziam perguntas idiotas do tipo “Mas na África não tem só negros?”, ou “Você morava numa casa como a do Tarzan?” "Você está mentindo, você não é negra!" e daí pra pior. Tive muita paciência! Até que um dia uma garota muito mal educada me provocou, me xingou e envolveu a honra da minha mãe! Ah, não tive dúvida! Dei na cara dela! Foi um santo remédio, pra ela e pra todos os demais! Viram que a portuguesa não leva desaforo pra casa e passaram a me respeitar! Nunca fui de fazer queixas à minha mãe, apesar de filha única. Minha mãe nunca precisou ir à escola resolver problemas como este, até porque, tirando esse fato, nunca mais precisei tomar uma atitude como esta. Depois do ocorrido, me determinei a perder todo o sotaque de portuguesa para que não fosse mais alvo de gozações. Hoje, claro que não me importaria, apesar de não gostar muito do sotaque português. Gosto mesmo é do português com sotaque brasileiro, apesar dos erros gritantes que por vezes escuto, mas, não faço qualquer gozação, exceto quando o nosso presidente Lula comete esses erros. Aí ,não dá pra resistir!! E ainda sobre o meu sotaque, estava tão determinada a perdê-lo, que em menos de dois anos quando fomos morar em Brasilia, todos pensavam que eu fosse carioca. Como em tudo não há só aspectos negativos, tive também momentos muito bons na escola Cicero Pena. Sempre que chegada mais cedo, conseguia sentar na cadeira ao lado da janela que dava para a Av. Atlântica, ou seja, para a praia. Quando a aula estava monótona, virava a minha cabeça para a esquerda e sonhava de olhos abertos. Nasci numa cidade do interior de Moçambique, e a praia mais próxima ficava a mais de uma hora de viagem, porém como em qualquer país de pequenas dimensões, uma viagem de carro de mais de 100km é uma grande distância e por isso mesmo, pouco ia à praia e então era fantástico ter o privilégio de assistir às aulas e ao mesmo tempo assistir ao movimento das pessoas na praia, as brincadeiras, os vendedores ambulantes gritando “Olha o mate Leão, bem geladinho!”, as crianças em meio a construções de castelos e o principal, o som maravilhoso do mar! Ah, se naquela época já existisse o conceito do cartão Mastercard, eu diria “Assistir a aulas enfadonhas ouvindo o quebrar das ondas em Copacabana....isso não tem preço! Finalmente minha mãe conseguiu um emprego de secretária executiva na Rádio Nacional na Av. Rio Branco, bem no centro do Rio de Janeiro. Por vezes cheguei a ir com ela para o trabalho e como era muito quietinha e educada, levava minhas revistinhas e meus livros de histórias infantis e ficava lendo num dos sofás da sala de espera. Ninguém me percebia até que puxasse conversa comigo. Depois, já ia sentando e lá ficava conversando comigo e assim o tempo passava mais rápido, até que certo dia, conheci o Sr. David, que depois vim a saber, era um dos diretores da rádio Nacional. E eu lá sabia que peso isso tinha, só sabia que ele era muito legal comigo, me tratava muito bem conversava muito comigo, me levava para almoçar e me empanturrava de comer morangos com chantilly na sobremesa. Eram momentos muito agradáveis, num período da minha vida em que as coisas não estavam muito agradáveis em casa, pois desde que havíamos saído de Moçambique, meus pais andavam pensando em se separar e era só uma questão de tempo. No horário das refeições o clima era pesado, as conversas não fluíam e percebia algumas respostas tortas de um e de outro. Quando a minha mãe se empregou pensei que as coisas pudessem melhorar, mas hoje percebo que só piorou, porque meu pai ainda estava desempregado e hoje, contando esta história entendo que tanto para o meu pai quanto para a minha mãe deva ter sido muito duro se adaptarem à vida que estavam levando porque tiveram que se submeter a situações nunca antes sequer previstas em sonho, ou melhor, em pesadelo, tal a impossibilidade de acontecer, considerando as boas condições financeiras que tínhamos em Moçambique .Meu pai era representante da Caterpillar e comercializava máquinas agrícolas. Minha mãe trabalhava com o meu avô na joalheria, a maior e mais completa das redondezas. Um ano depois desta realidade, estava a minha mãe vendendo livros , tendo se empregado depois como secretária executiva e meu pai, após um ano desempregado, estava empregado  como vendedor de óculos escuros e armações.

Meus pais, como já esperado, se separaram e tempos depois minha mãe e o Sr. David começaram a namorar. Até hoje comento com eles que a minha participação foi fundamental para que eles estejam até hoje juntos, pois não fosse pelos meus inúmeros almoços com o Sr. David, o clima de aproximação nunca teria acontecido. Bom, prefiro acreditar que fui importante nesse processo.

Quando decidiram que deveriam morar juntos, fiquei morando temporariamente com os meus avós, que a esta altura, já estavam no Brasil, morando na Rua Aquidabã, num prédio de poucos andares, de frente para o orfanato do Martinho da Vila. Meus avós adquiriram uma loja de discos, aqueles antigos LP`s e passavam o dia todo na loja, a um quarteirão do prédio onde moravam, então, como me matricularam num colégio público próximo, eu ficava no apto cuidando dos afazeres domésticos e meus avós iam trabalhar. Próximo do horário do almoço, me arrumava pra ir pra aula, aprontava a marmita dos meus avós, passava na loja, deixava o almoço e ia estudar. Ao final da aula, passava na loja, esperava dar 18:30 e retornava com eles pra casa. Enquanto isso, ficava trocando os discos, ouvindo Elton John, Os Jackons, Tina Turner, Elvis Presley, The Carpenters....e por aí vai. Aumentava o som o mais que podia, meus avós mandavam baixar, e quando menos esperavam, aumentava novamente o som. Era bom demais!

 Um fato triste aconteceu enquanto estive morando com os meus avós e este sim, foi mesmo um fato que me marcou muito . Meu pai foi um dia me visitar e pediu que conversássemos em particular no corredor de acesso aos aptos daquele andar. Esse corredor dava para a Rua Aquidabã e enquanto eu o escutava, olhava distraidamente para o movimento dos carros, as pessoas indo e vindo...talvez eu já estivesse sentindo o que ele ia me dizer. Estava sentindo um grande aperto no peito e uma vontade enorme de não estar ali passando por aquilo. Então, meu pai pediu que eu o olhasse nos olhos e me perguntou se eu já havia feito a minha escolha, se eu iria ficar com ele ou se iria ficar com a minha mãe. Queria não ter passado por isso. Queria ter podido me dividir ao meio para atender aos dois. Queria não tê-lo feito sofrer tanto, quando respondi que ficaria com a minha mãe. Ele me abraçou, não disse nada. Se despediu de mim e fiquei ali parada, olhando-o se afastar. Ainda o vi sair do prédio e sumir ao dobrar a esquina. Depois disso, durante um bom tempo, o relacionamento com o meu pai não foi o mesmo.

Ele ainda brigou na justiça pela minha guarda, mas perante a justiça mais uma vez precisei responder ao juiz sobre a minha decisão. Ainda visitei o meu pai algumas vezes, antes de irmos morar em Brasilia, pois o Sr. David havia sido transferido pra lá. Admito que naquele momento, morar longe do Rio de Janeiro estava sendo muito bom. Por outro lado, exceto por este acontecimento, o período em que morei com os meus avós foi um dos momentos mais felizes da minha vida, e creio que tenha sido em razão do amor que recebia deles e da simplicidade em que viviamos. Nas coisas mais simples encontramos os melhores momentos.

Mais uma mudança em minha vida. Mais uma cidade até então, desconhecida. Mais um colégio, mais um friozinho na barriga...não...desta vez foram vários friozinhos na barriga. Em Moçambique estudei em colégio de freiras , aprendi a tocar piano, fazia balé, e meus amigos eram filhos de grandes empresários e até os filhos do presidente do país estudavam no mesmo colégio. No Rio de Janeiro estudei em dois colégios públicos, porém ainda criança, me adaptei rápido não fosse pelos probleminhas já expostos. Em Brasilia fui novamente matriculada num colégio católico, tido como um dos melhores na cidade, e mais uma vez estudando ao lado de colegas, filhos de embaixadores, diplomatas e por aí vai.

Os primeiros dias de aula foram complicados. Já estava me acostumando ao fato de viver na simplicidade quando de repente me vejo num ambiente de adolescentes de nariz empinado, que só falavam no que tinham e deixavam de ter. Mas algo de bom aconteceu para atenuar esse desconforto. Apareceu a minha salvação. A salvação tem nome: Ivana, uma garota muito sorridente, dois furinhos ao sorrir, loira de olhos azuis, um sotaque fortissimo de cearense, puxando assunto comigo no 1º dia de aula, exatamente quando estavam todos reunidos para assistir à apresentação das normas da escola.

Logo depois aparece um rapaz mais alto que ela, moreno, olhos escuros, o mesmo sorriso, sem furinhos e com o mesmo sotaque fortissimo de cearense. Era o Elson! E, quase que imediatamente, soube que eram irmãos. Ufa!!!E mais feliz fiquei quando soube que moravam na mesma quadra que nós morávamos, ou seja, voltavamos todos os dias a pé, juntos.

Quando não estava na escola ou no nosso apto, estava no apto da Ivana e do Elson. Ficavamos batendo papo, contando nossas histórias, ouvindo Fagner, Peninha e outros. Depois fomos aumentando o nosso círculo de amizades. .Foram 4 anos maravilhosos dos quais guardo fortes e boas lembranças. Era só estudo e curtição. A patinação era quase uma obrigação nos finais de semana, fora todos os aniversários que aconteciam. Raro o final de semana que não tinha mais de dois aniversários pra ir. Alguns finais de semana eram passados na nossa fazenda, que ficava relativamente distante de Brasilia, e como não gosto de monotonia, gostava deste passeio quando chovia, porque passávamos mais tempo nos atoleiros tentando tirar o nosso carro e o dos outros, do que propriamente dito na fazenda. Por diversas vezes levei amigos meus, o que tornava tudo muito mais animado, tanto na lama, quanto nos banhos que tomávamos nos córregos de água muito gelada e límpida; Quase dava pra tomá-la, não fosse pelo gado do vizinho que por vezes, atravessava-os.

Na turma de amigos de Brasilia, alguns tornaram-se inesquecíveis: Cláudia Maria, Cláudia Goulart, Flávio Biro Biro, Marcelo Cardoso, Renata Sanchez, Maristela Faber, Cibele, e muitos mais! Claro que Ivana e Elson estão nesse grupo seleto. Além dos meus amigos de escola ,também guardo com carinho a lembrança de pessoas que de tão forte amizade, tornaram-se parte integrante da minha família, o Sr. José e Candida Barrigana .Portugueses, os conhecemos no Rio de Janeiro, na mesma situação em que nos encontrávamos e talvez tenha sido esse o motivo maior do afeto. Até hoje não sei se foram eles que nos "perseguiram" até Brasilia, ou se o contrário, o caso é que, Brasilia sem eles não teria a mesma importância pra nós.

Como é bom relembrar. Cada uma destas pessoas fez parte da minha formação como pessoa. Até hoje mantenho contato com grande parte delas, em parte graças à internet.

Algumas situações, hoje são cômicas, como gravar as músicas que estavam no auge .Trancava o quarto (para ninguém atrapalhar a gravação), ligava o rádio, aguardava a música tocar, ligava o toca-fitas, apertava as duas teclas (play e rec) e....gravava. Você está rindo? Eu achava o máximo!! Eram as ferramentas disponibilizadas. Tinha diversas fitas K7 gravadas por mim, e me orgulhava disso.

Mas interessante mesmo foi quando completei 15 anos e pedi uma festa no apto. Nada de festa de 15 anos com valsa e tudo o mais. Nunca gostei disso .Queria mesmo era uma festa ao som de discoteca (era assim que se falava), com luzes, sem móvel nenhum na sala e só as imensas caixas e mesa de som e o operador de som (não era Dj), era um outro nome que não me lembro mais. Sei que foram mais de 120 pessoas e no dia seguinte minha mãe quase teve um infarto. O piso da sala, todo em taco, estava furado pelos saltos agulha .Também houve a visita da policia, porque os vizinhos reclamaram do barulho e da baderna que os meus amigos fizeram nos elevadores. Bom, durante a semana, a festa foi o assunto mais comentado na escola.

Certo dia, minha mãe foi me apanhar na escola com um mapa na mão. Me mostrou o mapa, me indicou uma cidade chamada Belém e perguntou: sabes onde fica esta cidade? Sempre gostei de geografia, mas sinceramente, nunca havia me interessado pelo Pará. Sabia apenas que era mais um estado e só. 
Respondi que não sabia nada sobre essa cidade exceto que era a capital do Pará.

Então minha mãe sorriu, e disse: Pois procura saber mais, porque é pra lá que vamos morar.

E foi assim, com muitos amigos e fortes laços de amizade que me despedi de Brasilia, no mesmo ano em que a Ivana e o Elson também se mudaram para Fortaleza.

E, aqui estou eu, até hoje, no Pará, terra que me recebeu de braços abertos. Sou imensamente grata a este estado maravilhoso, pois aqui vivi as melhores e mais fortes experiências da minha vida. Aqui conheci também muitas, inúmeras pessoas que amo muito e foi no Pará que nasceram as pessoas que mais amo, meus filhos, Roberto Daniel, Jordana Lopes e Rebeca Lopes!
E agradeço a Deus, acima de tudo, que me fez forte, pra chegar até aqui!

Sandra Lopes